O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) decidiu, por unanimidade, pela demissão da juíza Angélica Chamon Layoun, de 39 anos, por suspeita de fraudes em decisões judiciais. A magistrada é acusada de emitir despachos padronizados em aproximadamente 2 mil processos cíveis, sem a devida análise individual, com o objetivo de aumentar artificialmente a produtividade.
A decisão foi publicada no Diário da Justiça no dia 7 de julho e assinada pelo presidente do TJ-RS, desembargador Alberto Delgado Neto, após deliberação do Órgão Especial. O processo administrativo disciplinar (PAD), que tramitou sob segredo de justiça, foi analisado em sessões nos dias 24 de fevereiro e 12 de maio. A demissão passou a valer a partir do trânsito em julgado, em 26 de maio.
Segundo informações obtidas pelo site GZH, a magistrada também teria desarquivado processos já julgados para proferir decisões idênticas e, assim, contabilizar falsamente novos julgamentos. Além do PAD, ela também responde a uma ação penal movida pelo Ministério Público.
Angélica havia sido empossada como juíza substituta na comarca de Cachoeira do Sul em julho de 2022 e foi afastada em setembro de 2023, dois meses após o início das investigações da Corregedoria-Geral de Justiça do TJ-RS. Antes disso, atuou por seis anos como magistrada no estado de Pernambuco.
Nota oficial do Tribunal de Justiça do RS (enviada ao portal Terra):
"O Processo Administrativo Disciplinar tramitou sob segredo de justiça. Por essa razão, não é possível fornecer acesso ao acórdão ou a quaisquer documentos relacionados à decisão. O TJRS reafirma seu compromisso com a ética e a responsabilidade no exercício da magistratura, zelando pela confiança da sociedade no Poder Judiciário", informou o Poder Judiciário.
Nota da defesa (enviada ao portal Terra):
"A defesa manifesta profundo respeito pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, mas discorda veementemente da penalidade imposta à magistrada Angélica Chamon Layoun, por considerá-la desproporcional, juridicamente viciada e carente de prova de dolo ou má-fé, elementos indispensáveis à configuração de falta funcional gravíssima.
Esclarecemos que não cabe recurso interno no âmbito do TJRS. Por essa razão, foi ajuizado Pedido de Revisão Disciplinar no CNJ, onde se discute a proporcionalidade da sanção e vícios de instrução do processo disciplinar.
Por se tratar de processo que tramita sob sigilo, não é possível comentar o conteúdo integral dos autos ou os argumentos apresentados na petição de revisão disciplinar.
Ressalvado esse limite, cumpre esclarecer que a magistrada foi designada para uma vara cível que estava há anos sem juiz titular, com grande passivo processual e uma cultura de autogestão consolidada, sem rotinas estruturadas. Nesse cenário, buscou corrigir falhas operacionais, reordenar o fluxo processual e promover melhorias administrativas, enfrentando resistências internas que acabaram servindo de catalisador para o processo disciplinar.
Além dos desafios próprios de uma unidade desorganizada, a juíza enfrentou dificuldades adicionais decorrentes de discriminação velada, por ser oriunda de outro estado, mulher e mãe de uma criança de três anos à época, diagnosticada com transtorno do espectro autista (TEA).
A conciliação entre os deveres funcionais e o cuidado com uma criança com necessidades especiais representa um desafio adicional que qualquer mãe magistrada pode compreender. Eventuais equívocos ou falhas operacionais, naturais em estágio probatório e agravados pelas dificuldades de adaptação a sistemas digitais complexos, não podem justificar o rigor da medida disciplinar aplicada.
A Corregedoria-Geral de Justiça deveria ter priorizado medidas pedagógicas e de orientação, e não punições de natureza extrema, especialmente quando não há má-fé, dano às partes ou violação da moralidade.
Este caso suscita reflexões importantes sobre como a magistratura lida com as especificidades enfrentadas por mulheres magistradas, especialmente aquelas que exercem a maternidade simultaneamente à função jurisdicional.
A situação vivenciada pela magistrada Angélica poderia ocorrer com qualquer mulher que enfrente os desafios da dupla jornada profissional e maternal no exercício da magistratura. A atuação da magistrada foi pautada pela boa-fé, pelo compromisso com o serviço público e pela transparência funcional. Confia-se que o CNJ saberá avaliar o caso com isenção e profundidade, garantindo o respeito ao devido processo legal, à proporcionalidade da sanção e às garantias da magistratura nacional."
Comentários: